sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O desafio da imprensa 2.0

Preâmbulo
Por ser um texto para um meio digital apenas vou abordar os desafios colocados para a Imprensa quer generalista quer especializada no formato eletrónico propriamente dito. Não porque considere que o papel deixará de ter sentido em breve mas simplesmente porque a questão da sobrevivência do papel seria só por si um tema – que poderá ficar para uma outra ocasião. Além disso nem sequer é assunto para uma editora considerar neste momento a possibilidade de não abordar estes formatos ou tão pouco preocupar-se com o potencial de canibalização. O corolário destes dois factos sendo portanto que ambos se podem tratar em paralelo passe embora o facto de obviamente existirem sinergias e conflitos a dirimir entre ambos.

Sobre o produto
As principais características do meio escrito são a seleção, a hierarquização e organização dos conteúdos que desejamos comunicar. Podemos considerar que no meio digital esta seleção continua a existir – temos na mesma uma Home Page ou uma “capa” se considerarmos um paradigma de revista “Digital” e na verdade refletindo bem o que se passa é que os aspetos anteriormente descritos continuam a existir e se vêm enriquecidos. Logo aqui se coloca um primeiro desafio de natureza essencialmente económica. Na verdade esta maior riqueza é boa para o leitor mas para o editor resulta obviamente em custos acrescidos.

Tal como também resulta em custos acrescidos a segunda diferença que desde logo apontamos entre a imprensa escrita circunscrita ao papel e a sua equivalente digital. Espera-se não só um enriquecimento estrutural como também de tipo de media recorrendo ao vídeo por exemplo. De novo uma expectativa legítima por parte do leitor – afinal foi-lhe “vendido” que assim seria – mas também mais um custo acrescido no que diz respeito à produção.

Quando a estas duas características juntamos o facto de o cibernauta esperar interatividade (verdadeira interatividade isto é uma comunicação bidirecional) e ainda um ambiente de navegação rico e com significado semântico então as exigências em termos de recursos humanos sobem não só quantitativamente como também qualitativamente. Poderia estabelecer aqui – no controlo e no significado ou relevância desta bidirecionalidade o principal desafio colocado à imprensa 2.0 porém não o farei. É um tema interessante e polémico mas não é no que me diz respeito um obstáculo antes é uma característica própria do meio com a qual temos de aprender a lidar.

Ou seja se o fator produtivo se aligeirou um pouco pela desmaterialização do produto (e daqui a pouco veremos que não é assim tanto como se poderá julgar) este foi mais que compensado por custos em recursos humanos que se quisermos cumprir a promessa de um produto digital como terá sido imaginado transcendem largamente o custo do papel.

Sobre a distribuição
Também aqui a promessa aos editores do Digital parece num primeiro passo o verdadeiro paraíso; a promessa do Digital de desintermediação – a possibilidade de atingir diretamente o leitor é simultaneamente uma promessa de melhor o poder conhecer e logo de valorizar essa ligação direta a todo e qualquer anunciante e também uma promessa de deixar de depender de terceiros para essa ligação com os óbvios ganhos de margem associados.

E sim essas premissas são verdadeiras porém rapidamente os editores perceberam que apesar de tudo essa intermediação sendo de natureza diferente continuaria a existir, quer por via dos parceiros tecnológicos que não perderam a oportunidade de construir um modelo de negócio baseado nessa mesma intermediação quer por via de outros aglomeradores de conteúdo que respondendo à necessidade básica dos leitores “Onde vou encontrar o que quero ler” acabaram também por criar um negócio de intermediação que é em muitos casos semelhante à distribuição física.

Ou seja embora em aparência a publicação digital pareça ser mais proveitosa do que a física no que diz respeito à distribuição na verdade as taxas hoje praticadas pela maioria das lojas digitais assemelham-se em muitos casos ao total dos custos praticados nos canais físicos (juntando distribuição e retalho).

Sobre o preço
Se estivermos a falar da internet normal e a suposta gratuidade dos conteúdos nem valerá a pena estender-me muito sobre esta dimensão. No caso das revistas digitais vistas durante alguns meses (na internet as coisas avançam depressa)) como o Santo Gral para os editores então ainda assim estamos sempre a falar de preços abaixo dos preços em papel.
Portanto sejam gratuitos ou mais baratos a perceção do consumidor não deixa de ser que um produto digital por não ser material pode ser mais barato. Pouco importa como referi que os custos de produção outros que os materiais diretos sejam na verdade maiores – o facto é que essa é a perceção maioritária de quem consome conteúdos online – sobretudo de informação ou de opinião.

Sobre a promoção
Não deverá ser difícil a qualquer leitor deste texto – assumindo que resistiu até aqui – encontrar na net variadíssimas fontes que lhe dirão como é fácil promover o seu produto ou serviço. Fácil e barato para já não dizer gratuito.
Infelizmente não é nem fácil, nem barato muito menos gratuito. Aliás mesmo admitindo que alguma vez o tenha sido obviamente se fosse fácil para todos rapidamente o equilíbrio tenderia para o que sabemos.
Obviamente os motores de pesquisa e outros indexadores facilitam a promoção mas não a tornam gratuita. Contrariamente a alguns colegas penso que o Google é um aliado dos editores e não um concorrente. Se considerarmos que um meio digital tem por obrigação ser mais relevante (em média) que um qualquer blog então os indexadores serão efetivamente o que mais próximo existe de promoção gratuita.

De novo poderia aqui também colocar como desafio principal aquilo que alguns colegas consideram ser a concorrência ilegítima dos bloggers e da existência de “lixo” que prejudica os meios sérios.  Para mim esta é uma falsa questão e uma hipocrisia por quem supostamente sendo profissional de comunicação deveria respeitar mais do que ninguém a liberdade de expressão. Sim, a publicação eletrónica reduziu as barreiras à entrada, sim multiplicou as fontes de informação exponencialmente, sim algumas dessas são más – como também são maus alguns dos artigos dos nossos meios “profissionais”. A diferenciação pela qualidade não pode caber a nenhuma alta autoridade nem a nenhum processo burocrático. A diferenciação é feita como em todas as coisas pelo consumidor.

Quero acreditar que em média por todos os fatores descritos um órgão profissional será sempre melhor que um blogger. E se não o for … então esse blogger estará exatamente na mesma divisão e merece da mesma forma a respetiva recompensa. Mas de novo este seria um tema só por si … mas não o principal desafio.

Conclusão
O desafio colocado na verdade situa-se não numa comparação entre o papel e o digital porque essa comparação é irrelevante mas antes no facto de para o meio digital todos os fatores de produção serem após análise mais exigentes do que o equivalente em papel  (e para simplificar nem sequer abordamos aqui as dimensões de Recursos Humanos , de Processos e de Estrutura que ainda tornam o cenário descrito mais difícil) e para piorar a situação não existir por parte do consumidor uma perceção coincidente desse custo acrescido antes pelo contrário.

Esta diferença com razões históricas responsabilidade dos próprios media é na verdade em minha opinião o maior desafio que se coloca à imprensa 2.0 . Perceber por um lado o que o consumidor realmente deseja de todo o universo de funcionalidades e de riqueza de conteúdo que podem ser oferecidos com toda a certeza mas sobretudo conseguir comunicar que esse admirável mundo novo tem um preço.  É que se na primeira dimensão parece-me que de uma forma ou de outra lá chegaremos, para o segundo não vi até agora solução que me convencesse.





Fernando Vasconcelos

Mestre em Sistemas e Computadores pelo IST, MBA em Marketing pela Universidade Católica Portuguesa . “Internetossaurus” especialista em marketing digital. Co-autor do livro “A Gestão do Cliente no Século XXI”. Assessor da direção na Goody S.A com o pelouro da direção de Marketing . https://www.linkedin.com/in/fvasconcelos

2 comentários:

  1. Rogério Jardim26/09/2014, 17:12:00

    Na generalidade, concordo com o que é dito. No entanto, acho que não foca o ponto verdadeiramente essencial que é, na minha opinião, o facto de os consumidores agora terem opção de escolha. Ou seja, antigamente, as nossas escolhas resumiam-se às bancas de jornais, à televisão e à rádio. Hoje não. Hoje há a web e tudo o que ela traz. Mais, antigamente, para estar nas bancas de jornais, na televisão ou na rádio era, como ainda é, necessário investir muito dinheiro, em equipas editoriais, estrutura, etc, que depois era compensado com a venda (nas bancas) e com a publicidade (TV e rádio). Hoje, na Internet, a democratização permite investimento zero para ter um meio de comunicação. O que é bom, por um lado. No entanto, também é mau, visto que a informação deixa de ser limitada pelos custos do antigamente, para ser feita, de forma democrática, é verdade, por qualquer pessoa. O resultado, é uma abundância de conteúdos, com melhor, pior, ou média qualidade. E se é verdade que cabe ao jornalista (ou blogger) a responsabilidade de fazer o melhor possível, também é verdade que, na nossa sociedade (e não somos únicos), a tendência é sempre escolher o mais "escandaloso", o mais "arrojado", o mais "sensacionalista". Pouco importa que esteja bem feito ou não. A maioria das pessoas não tem, nem muitas vezes tem de ter, a capacidade para diferenciar o bom do mau. Um bom exemplo é o facto de alguns sites viverem apenas de criar notícias falsas que, sendo bem feitas, levam muita gente ao engano, inclusivamente os supostos profissionais que, com a pressa de fazer o tal conteúdo clicável, para gerar audiência, não confirmam fontes nem dados. E não o faz, nem tanto por não ser profissional, mas porque muitas vezes está a ser pressionado por resultados pela chefia, e porque também sabe que, reais ou falsos, a notícia que sai tarde, sai tendencialmente tarde demais e não gera audiência, não gera publicada, nem receitas, que é o que a chefia precisa para pagar a sua estrutura.
    Resumindo, não se trata de um problema dos jornalistas "profissionais", nem dos bloggers. A democratização da informação permite às pessoas verem o que quer com um raio de escolha muito maior, sendo que, infelizmente, a escolha final costuma cair sobre a "Casa dos Segredos" dos conteúdos.
    A solução, na minha opinião, passa por duas ações.
    1. Em caso do jornalismo referente a produtos e a política (por exemplo), limitar o acesso à informação a profissionais realmente profissionais, mesmo que alguns sejam bloggers. Há que concentrar a informação nos meios credíveis e profissionalizados.
    2. No caso do jornalismo de sociedade, aí sim, deixar que o acesso democratizado ao que acontece um pouco por todo o lado possa ganhar essa componente, precisamente, social.
    O risco, na minha opinião, passa por meter tudo no mesmo saco.

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